O nome é difícil e o problema é delicado. A anosognosia se caracteriza pela falta de consciência sobre a própria doença, o que pode levar o paciente a não reconhecer suas limitações ou a apresentar comportamentos inadequados. O termo foi criado em 1914 pelo neurologista Joseph Babinski, quando discorreu sobre o caso de dois homens com hemiplegia esquerda com uma total falta de consciência dessa falha motora. Quem sofre dessa síndrome pode ter dificuldades para aderir ao tratamento e precisa de todo o suporte familiar disponível. Como o campo de estudos é vasto, preferi focar o aspecto comportamental, e não o fisiológico. Conversei com a médica geriatra Claudia Burlá, que também atua na área de medicina paliativa, e ela explicou ser relativamente comum que, nos estágios iniciais de uma demência, a pessoa chegue ao consultório sozinha, por indicação de um outro especialista, sem suspeitar da sua condição: “é alguém que dirige seu carro, gerencia sua casa e até conversa com desenvoltura. No entanto, ao longo da consulta, surgem pistas de que o discurso não é coerente”.
Em seus mais de 30 anos de prática clínica, a doutora Claudia Burlá já lidou com dezenas de casos de demência frontotemporal, que tem uma peculiaridade: atinge em cheio o lado comportamental. “A demência frontotemporal leva a comportamentos exacerbados”, afirma a médica. “O indivíduo perde a capacidade de percepção e isso pode se manifestar em hipersexualidade ou em esbanjamento de dinheiro. É também comum um julgamento distorcido: o paciente age como se tivesse muitos amigos, embora esteja sempre só”, acrescenta. Daí a importância de parentes e conhecidos estarem atentos a pequenos sinais que surgem no dia a dia da convivência: “uma avó que se torne generosa demais de uma hora para a outra é indicação de comportamento inadequado. Excentricidades além da curva também devem chamar a atenção. A família pode achar que a pessoa está engraçada, desinibida, mas o quadro pode ser de doença neurodegenerativa. Um dos pontos sensíveis é o do autocuidado: a higiene pessoal fica comprometida, o paciente passa a usar sempre a mesma roupa”, diz a especialista.
Uma das questões delicadas é avisar a família, que nem sempre reage bem, por se recusar a acreditar que um ente querido esteja trilhando o caminho de demência, como explica a médica: “os mais próximos têm que ser avisados para criar a rede de proteção necessária. Já vi casos de idosas com mais de 80 anos que adquiriram planos de previdência para resgate aos 115, 120 anos”. No consultório, alguns testes simples podem mapear o comprometimento cognitivo. Um dos mais sensíveis é o chamado teste do relógio, no qual pede-se ao paciente para desenhar um relógio com todos os números das horas. A partir do desenho feito, há um pedido suplementar: marcar uma hora específica. Pode-se observar que há algo está errado com a cognição quando há dificuldades ou mesmo a impossibilidade de dar conta dessas tarefas.
Há muitos fatores envolvidos para fechar um diagnóstico, segundo a médica: linguagem, capacidade executiva, memória, habilidade visuoespacial (não se perder, por exemplo), alteração de personalidade. No trato diário com o indivíduo com demência, o conselho dado pela doutora Claudia Burlá é entrar na fantasia dele, em vez de tentar esclarecer o que é real ou não para alguém que não tem mais capacidade para discernir: “se a pessoa diz que quer ir para casa, embora esteja em sua residência, o melhor é vesti-la, dar uma volta e retornar ao local, mostrando que agora ela está em casa. Dessa forma, desvia-se o foco daquela narrativa associada à demência, resgatando o paciente para uma situação de conforto e segurança”.
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